Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor: "Orlando Furioso": o exemplo de um livro com história

A Biblioteca da Ajuda assinala este dia com uma obra que é simultaneamente exemplar da sua colecção, paradigma da poesia épica / romance de cavalaria e do processo tipográfico associado a edições antigas: Orlando Furioso de Ludovico Ariosto, Lião, 1561.

Estamos perante um precursor dos grandes épicos renascentistas com o conteúdo associado aos romances de cavalaria medievais, às gestas de heróis trágico-cómicos que cantam os feitos militares de cavaleiros cujo percurso é marcado por amores cujo destino não está nas suas mãos. Publicado pela primeira vez em 1516, em Ferrara, teve uma 2ª edição muito próxima, em 1521, onde se apresentava em 40 cantos, em oitava métrica, e com uma marcação expressa de coloquialidade através de diálogos e de expressões de subjetividade visíveis nos argumentos que introduzem os cantos. A 3ª edição, 1532, acrescenta 6 novos cantos e constitui um aperfeiçoamento estilístico do longo poema, além do acrescento de novas cenas narrativas e personagens. É considerada a edição completa, com os 46 cantos que desde aí se publicam, i. é, cerca de 5.000 novos versos. Doze anos depois, mais 5 cantos são acrescentados num apêndice – Cinque canti – que prenuncia uma sequência da história principal, recuperando e engradecendo personagens de antecedentes literários, como M. M. Boiardo, que na origem eram apenas referidos. Esta associação de um estilo formal clássico e aparentemente rígido é posto ao serviço de narrativas que diversificam o caracter épico dos seus antecessores clássicos, introduzindo personagens e situações de comédia e cada vez mais associado a um texto cenográfico.

As múltiplas edições do Orlando Furioso expressam o fenómeno que as originou: as edições esgotaram… indo de encontro a uma estética do gosto renovada neste renascimento dos clássicos e das crónicas medievais em releitura criativa. Ariosto – cujo pendor artístico para a escrita foi muito tempo adiado por obstáculos da vida – dedica-se durante uns anos a criar uma resposta / complemento literário à obra inacabada Orlando Innamorato de Matteo Maria Boiardo (1441-1494), cuja publicação póstuma, em 1495, teve múltiplas edições no séc. XVI. Das mais de duas centenas de edições no séc. XVI da obra de Ariosto identificadas na bibliografia italiana (Edit 16), uma larga parte é impressa em Veneza (à época “a sereníssima república de Veneza que começava o seu declínio com o fim do monopólio comercial no mediterrâneo) onde se multiplicaram as edições e os seus impressores.


O exemplar da BA que aqui trazemos do 
Orlando Furioso é imediatamente destacado de todos os outros pelas suas dimensões: literalmente uma edição de bolso, provavelmente aparada mas que não terá alterado grandemente a sua pequenez: 11 cm X 7 cm.






No entanto, a encadernação, quase minúscula, protege 1419 páginas correspondentes a 2 partes (40 + 6 cantos + 5 canti) sequenciadas numericamente e a um extenso vocabulário geográfico e onomástico não paginado.             
      

Mantém uma estrutura fixa, com ‘declaração’/argumento a anteceder cada canto e uma gravura alusiva à narrativa poética que ali começa:
 


         


O ex. escolhido apresenta-se mutilado, o que levou à cópia manuscrita das pp. em falta. Esta particularidade é clarificada pela sua proveniência histórica: livro de ensino num colégio jesuíta com uma livraria pública, S. Roque, poderá ter servido o Colégio dos Nobres e sido incorporado na Biblioteca por esta via. Particular é também o facto de ser uma doação de Lopo Soares, um ainda anónimo bibliófilo do séc. XVI (provavelmente) que é recordado num número relativamente alargado dos livros de S. Roque que chegaram à Biblioteca Real.  

 





          









A encadernação, em pergaminho simples, que terá sido reencadernada para a inclusão de folhas em branco iniciais com a cópia manuscrita, remete também para este ambiente de biblioteca escolar pública e indiretamente para a atualidade do ensino jesuíta que emparelha o conhecimento das fontes clássicas linguísticas e das obras ‘modernas’ que se tornaram clássicas com conteúdo narrativo atraente para os jovens. 


Por último, evidenciamos o trabalho tipográfico e iconográfico (xilogravuras) deste exemplar, fruto do trabalho de um impressor humanista, Guillaume Rouillé (1518-1589) cuja aprendizagem decorreu, sem espanto, em Veneza junto de Gabriele Giolito de' Ferrari (c. 1508 – 1578).







A divulgação exponencial desta obra no mercado livreiro europeu, e principalmente espanhol e francês, é um dos factores que explicam a sua vasta influência em autores e obras do património clássico mundial, como Cervantes – que criticou a 1ª tradução espanhola logo em 1550 -, Torquato Tasso, Shakespeare, Voltaire e mesmo Camões. A sua permanência destacada na história da literatura europeia, as múltiplas traduções, a influência sobre o teatro, principalmente francês, atestam a sua caracterização como obra prima da literatura mundial, exemplar também da especificidade dos impressos antigos.

FG@BA

DIA INTERNACIONAL DO LIVRO INFANTIL

Comemora-se hoje, dia 2 de Abril, o Dia Internacional do Livro Infantil, data que desde 1967 lembra mundialmente o nascimento (1805) de um dos principais autores deste género de literatura: Hans Christian Anderson. O aparecimento e desenvolvimento de uma literatura especificamente dirigida às crianças e jovens é coetâneo da 'revolução' da imagem da infância no séc. XVIII, entendendo-se como um ser com características próprias e não apenas um adulto em miniatura. Por outro lado, as primeiras obras deste género com grande difusão têm origem na tradição oral e adaptam no séc. XIX e XX fábulas, contos morais, histórias fantasistas com recurso a seres imaginários ou imaginados.

Nos séculos XV a XVII, o aparecimento da imprensa permitiu uma maior difusão das ideias numa sociedade pouco letrada e o contacto direto com os autores do período clássico desde aí traduzidos de originais gregos para latim. É um destes livros, de uma 'proto literatura' infantil, que hoje tiramos da estante para aqui mostrar. É uma obra do séc. XV, do início da imprensa e por isso chamada de incunábulo que recolhe a tradução latina da maioria das fábulas de Esopo e a sua biografia. Reconhecemos várias das histórias que contém, com ligeiras variações, em quase todas as línguas da Europa. Neste exemplar o acesso infantil está marcado nas suas páginas pelo que parece ser um "treino de assinatura" da sua proprietária "Lucretia Borghese". A pintura das ilustrações é também um dos elementos que nos remetem para a literatura infantil.

[Aesopi Vita et fabulae..] / [trad. lat.] Francisco Tuppo. - Napoli : [Francisco Tuppo e Germani Fidelissimi], 1485 Fevereiro 13. - [158] f. il. ; 2°. — Assin.: a6 b10 c8 e6 f6. — Pert.: Lucrezia Bolognese.. [ms.]

Colofão: ‘‘Impresse Neapoli ...sub anno domini M. CCCC. LXXXV. die XIII mensis Februarii’’.

BA 48-X-12

CPB e FG@BA

Recordamos Hoje: Anatole Célestin Calmels (1822-1906)

Calmels nasce em França (Paris), em 1822 e morre em Portugal (Lisboa) aos 84 anos, estando sepultado, em Lisboa, no Jazigo dos Duques de Palmela.

A chegada a Portugal, onde viveu 48 anos, terá resultado de um convite de D. Pedro V, segundo o artigo que o Ocidente, (n.º 982, de 10/4/1906) lhe dedica por ocasião da morte, "... Foi D. Pedro V que o convidou a vir para Portugal, tinha então Calmels 36 annos (...) ". A data, 1858, coincide com o que o próprio escreve e que foi publicado num artigo, de Maria Amália Vaz de Carvalho, no Diário Ilustrado (n. 33 de 10/4/1902) por ocasião de uma homenagem feita à Duquesa de Palmela,  Maria Luísa de Sousa Holstein (1841-1909), que foi sua aluna. Nesse artigo Calmels escreve "(...) A illustre mãe da Duqueza honrou-me com o seu encargo de dar as primeiras lições a sua filha então solteira, com desassete annos de ferteis promessas d'espirito e de coração..".

Em Portugal deixou a obra elencada aqui e na Biblioteca da Ajuda os documentos abaixo discriminados: 

1859 Dez. 29, Lisbonne
Carta de Antole Calmels, estatuário, para D. Pedro V enviando-lhe as novas propostas que apresentou ao Ministro das Obras Públicas para o projeto do monumento a D. Pedro IV.
Inclui:
Propostas do monumento comemorativo a erigir à memória de D. Pedro IV. 1485
BA – 54-XI-44, nº 57 e 57a (Em Francês)


1860 Jan. 06, Lisbonne
Carta de Anatole Calmels, Estatuário, para D. Pedro V, enviando-lhe as condições do
contrato passado entre o Governo brasileiro e L[ouis] Rochet, Estatuário, para o
monumento a D. Pedro IV, segundo consta da “Revista Popular do Rio de Janeiro”, a fim
de se ver a diferença entre o que ele [Calmels] pediu e o que o Governo brasileiro
concedeu. Tem junto os orçamentos do monumento a D. Pedro I do Brasil, apresentado
por L. Rochet no Rio de Janeiro, e o do monumento a D. Pedro IV por Anatole Calmels
em Portugal.

BA – 54-X-18, nº 346, 346a (ilustrado)  (Em Francês) [ver Col. de Fotografia, 233-VII, reg. 1485]


BA – 54-X-18, nº 346 a (il.) 



Estátua de D. Pedro IV no Porto:

Estátua equestre de D. Pedro IV, o Libertador, na Praça da Liberdade no Porto feito em 1862 por A . Celestim Calmels / Fot. de TISSERON, 1862 

Avulso, prova em papel colada sobre cartão, 275 x 394 mm. (suporte 473 x 622 mm. ), 1 fot. Faz parte da pasta"Tisseron (IV)".

A fotografia apresenta carimbo do fotógrafo no verso:"Tisseron - Rua do Loreto, 61 - Lisboa". [ Ver B. A . 54-X-18, nº 346 e 346a: maquetas de um monumento a D. Pedro IV; propostas feitas por A . Calmels e L. Rochet, estatuários, para os monumentos em Portugal e no Rio de Janeiro, respectivamente. ] 233-VII, reg. 1485 

Matrizpix :aqui e aqui 



Anatole Calmels ganha o concurso, aberto a 26 de Agosto de 1862 pela Câmara Municipal do Porto, ficando responsável pela escultura e pedestal da estátua equestre de D. Pedro IV, para comemorar os 30 anos do desembarque no Mindelo... [ver mais]

1863 Jan. 06, Lisbonne
Carta de Anatole Calmels para D. Luís com o pedido para ordenar a nomeação de uma comissão especial para regular as condições definitivas , a fim de poder dar inicio ao trabalho de execução do Monumento de D. Pedro IV, no Porto.
BA – 54-XI-17, nº 36  (Em Francês)


1868 Nov. 8 , Lisbonne
Carta de Anatole Calmels para D. Luís a pedir um adiantamento à conta dos seus trabalhos para poder pagar aos trabalhadores e manter abertos os ateliers.
BA – 54-XI-4, nº 133 (Em Francês)

Camões e a BA – "Os Lusíadas" comentados

Em Março de 1572, o impressor António Gonçalves trazia à luz Os Lusíadas de Luís de Camões. Publicado com o alvará de D. Sebastião I (1554-1578), que concedia ao autor a totalidade dos direitos sobre a obra (licença) e que, por Privilégio, se estenderia em exclusividade por 10 anos. É a Camões que se concede licença para "fazer imprimir em Lisboa" a obra poética que narra os feitos dos portugueses nas "partes da Índia", em linguagem, isto é, na língua vulgar e regida pelas regras da poesia clássica, como ditava a modernidade renascentista. A epopeia marítima dos portugueses, algumas décadas depois do seu início, é elevada a matéria épica e desígnio da grandeza nacional. Lembremos que a imprensa como a conhecemos – tipos móveis – estava na sua primeira infância e todos estes aspetos indiciam a singularidade desta obra no universo sócio-cultural(1)em que apareceu.



Alvará da ed. de 1572 de Os Lusíadas. Exemplar da BNPortugal acessível online Aqui




A Biblioteca da Ajuda aparece, em catálogos antigos e em referências bibliográficas de textos académicos de finais do séc. XIX / início do séc. XX, como guardiã de 1 exemplar dessa 1ª edição(2)que, atualmente, não integra a coleção. Esse exemplar, pertença de D. Manuel II, foi restituído ao seu proprietário em 1930 e faz parte, hoje, da biblioteca da Fundação Casa de Bragança, dentro do fundo "Camoniana" desta instituição.

Auto de Arrolamento 490 (ANTT)

Biblioteca U'''

Sala B 6791-6829 4568-4575


1928, 17 de Janeiro

"Espécies raras, existentes na Biblioteca da Ajuda julgadas propriedade particular do Senhor Dom Manuel de Bragança:..." Assina a entrega Jordão de Freitas (Diretor da BA) e a recepção João Sequeira, representante da Administração da Casa de Bragança.  fls. 1-3
                                                                        


  ←  (fl. 2)                                         (fl. 3)  →

                               
                                                               

Na Biblioteca da Ajuda é a 1ª edição espanhola comentada de Os Lusíadas que detém a centralidade da (sub-)coleção "Camoniana" pela riqueza que lhe advém de manter junto o manuscrito que a originou: 



Lusíadas / de Luís de Camoens Príncipe de los Poetas de España. Comentados por Manuel de Faria i Sousa Cavallero del habito de Christo, i de la Casa Real. Año M. DC XXXVI [1626]
Cod. Ms., papel, 2 cols.  4.º, 806 fls. 2 cols; Original, autógrafo
BA. 46-VIII-39












Luis de Camoens principe de los poetas de España,:
[primero - quarto tomo]. En Madrid : por Ivan Sanches, 1639 .
BA. 50-XIV-18
Registo Bibliográfico Aqui
versão digital (BNP) Aqui


Considerado um dos comentários mais abrangente da epopeia de Camões este resultado não será estranho ao objectivo de Manuel de Faria e Sousa de divulgar em língua espanhola, “resgatando-o da sua obscuridade de herói” o poeta lusitano que ombreava, na sua opinião abalizada, com os maiores clássicos gregos e latinos, nomeadamente Homero e Virgílio. Os comentários alargados e extensíveis a todo o poema, fizeram desta obra uma referência na tradição exegética da obra de Camões.

Outros comentários da obra magna camoniana e sobre o autor, deixaram marcas na tradição bibliográfica e integram a coleção da BA em espaços distintos e concordantes com a sua natureza física. 

Em versão manuscrita

Os Lusíadas comentados por D. Marcos de S. Lourenço, 1633


Os Lusíadas de Luis de Camões princepe dos poetas heroicos / comentados por o P. D. Marcos de S. Lo[urenç]º cónego regular da Congregação de Sancta Cruz de Coimbra
Autógrafo, ms. sobre papel; - In 2º (31 cm); 353 fls.
BA. 46-VIII-40






V. Tb.:

Edição crítica do manuscrito 46-VIII-40 da Biblioteca da Ajuda, comentado por D. Marcos de S. Lourenço: BA. 262-VI-34




Na coleção de impressos antigos:




OS LUSÍADAS comentados por Manuel Correia, 1613 (BA. 50-X-40)
Registo bibliográfico
: Aqui















Os Lusíadas comentados por João Franco Barreto, 1669 (BA. 61-III-18, n.º 1)
Registo bibliográfico: Aqui










FG@BA 

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(1) Afirmação verdadeira também para a materialidade e evolução tecnológica de que a questão da existência de 2 edições de 1572, com as representações do pelicano divergentes e variações em alguns versos além das diferenças imediatamente visíveis no tamanho dos tipos utilizados.

(2) Cf., por ex., Os Lusíadas, p. III/IV, da ed. de 1817, do Morgado de Mateus "Sei porém que / o exemplar de 1572, existente na Bibliotheca Real de Lisboa, he da edição diferente dos meus exemplares, … ."

Camões e a BA: Teófilo encontra Camões

As armas, e os Barões assinalados,

Que da occidental praia Lusitana

Por mares nunca de antes navegados,

Passaram ainda além da Taprobana;

Em perigos, e guerras esforçados,

Mais do que promettia a força humana,

Entre gente remota edificaram

Novo reino, que tanto sublimaram:

(...)

Cantando espalharei por toda a parte,

Se a tanto me ajudar o engenho, e arte
.

“Os Lus.” do Morgado de Mateus (1817)

Cant. I, est. I e II

Estes versos iniciais dos Lusíadas epigrafam o sentido do post deste mês, da nova rubrica “Camões na BA”, na dupla dimensão (formal e material) do início ou começo, conceito que permitirá a evocação de Joaquim TEÓFILO BRAGA num espaço dedicado a Luís de Camões e à sua epopeia lusa. E porquê a escolha deste mês para a evocação de um “pensador e escritor em ação”, protótipo dos ideais de finais de oitocentos? Cumprem-se no dia 24 de fevereiro os 181 anos do seu nascimento (24 de fevereiro de 1843) e o ano de 2024 marca o centenário da sua morte (28 de janeiro de 1924).

Das múltiplas biografias e exegeses da obra camoniana, principalmente de Os Lusíadas e das Rimas, iniciadas logo no final do séc. XVI (nas eds. de final do séc. dos Lus. como anotações) e com expressão alargada a partir de 1624 (1) - há 400 anos exatamente -, a atenção dedicada por Teófilo Braga ao “príncipe dos poetas” ultrapassou em muito a que seria estritamente necessária no desenvolvimento da sua História da Literatura Portuguesa (1870 - introdução,1875 e 1885) e alcançou um espaço próprio e importante em Camões. Vida e Época (1907), Camões e o Sentimento Nacional (1891) e em Camões: obra lyrica e épica (1911) publicados isoladamente. Esta atenção foi particularmente visível na promoção e realização das comemorações nacionais do tricentésimo aniversário da morte do poeta (1880), de que Teófilo foi um dos principais mentores, sendo esta faceta explorada num futuro post relativo a estas comemorações.

Teófilo Braga (1843-1924) é uma das figuras mais marcantes da vida política e cultural do séc. XIX / princípios do XX em Portugal. Conciliando a acção com a reflexão crítica e teórica perante a realidade histórica vivenciada, a sua biografia demonstra como num indivíduo se podem articular os planos da intervenção cívica e política, o da necessária fundamentação teórica que deve integrar as mais recentes teorias da realidade e, como corolário ou ponto de partida, a acção pedagógica. A sua prolixidade escrita e oral (conferências, discursos e aulas), os comités, comissões e cargos públicos que integrou, a associação a movimentos culturais ideológicos (“Geração de 70”, a colaboração com periódicos de divulgação de novas ideias desde jovem) e, finalmente, a constituição de um ideário filosófico e literário expressivo das correntes “novas” europeias conduzem-nos inevitavelmente à questão de como conseguiu um homem, numa só vida, produzir tanto? Já os seus contemporâneos destacavam esta característica vendo na sua produção / ação uma geração inteira. Os seus biógrafos apontam-lhe uma existência quase monacal, sem distrações, principalmente na juventude e após a morte dos filhos e depois da esposa, encontrando nas leituras e na escrita a forma de se manifestar publicamente.

                          

Relativamente à biografia e bibliografia de Camões, publicação tardia em que já teriam sido avaliados e refletidos os contributos do positivismo e do republicanismo federalista e integradas as experiências dos combates políticos e sociais num sistema próprio, cujo fruto se resumiria numa revisão da História da Literatura pátria, acrescentando novas fontes primárias entretanto trazidas à luz. Há um acordo geral de que os anos de 1872 a 1877 correspondem à sua formação positivista e ao amadurecimento das ideias de Comte num programa teórico e pragmático que se tematizam em obras como em Traços Gerais de Filosofia Positiva (1877) e o Sistema de Sociologia (1884).

A aplicação da metodologia e princípios positivistas à análise biográfica e bibliográfica de Camões, justifica-se porque Como os biographos que vieram depois da geração de Camões, esses investigadores do seculo XVII, como Pedro de Mariz, Severim de Faria, Paiva de Andrade e Faria e Sousa, não souberam penetrar o sentido das tradições camonianas, os críticos que lhe succederam despresaram esse riquissimo material do passado historico, perdendo os fios conductores para uma verdadeira recconstrucção. (in Camões: Epoca e vida, Porto: Liv. Chardron, 1907. - pp. VII-VIII). Considera um imperativo da sua época o exercício positivo da história para resgatar a verdade perdida em tradição mais retórica que factual (…) O verdadeiro estudo só se realisará quando pelo conhecimento geral da Época em que viveu Camões, da psychologia da sua individualidade, e do quadro biográfico contornado nos tópicos irrefragavelmente conhecidos pelos documentos authenticos já achados, se limitarem as interpretações críticas á localisação dos factos em quadro definitivo, e á determinação dos resíduos de verdade histórica, que se encerram n'essas tradições ou lendas pessoaes. (Id., ib. p. VII).

Assim empreende o estudo do Poeta com recurso a todos os testemunhos históricos coligidos e às diversas interpretações, concentrando-se nos elementos autobiográficos das poesias que articula com os elementos históricos característicos da época: O estudo da obra de Camões, para ser bem comprehendida, impõe o conhecimento da sua vida; mas tendo passado uma existência desapercebida para os seus contemporaneos, poucos factos chegaram a nós os vindouros, sendo necessário muitas vezes pelas referencias autobiográficas nas suas obras reconstruir o quadro da sua vida. Qual o processo critico para reconhecer essa physionomia moral do Poeta, sem divagações fantasistas, mas com segurança e verdade nas deducções, que se tornem inferências históricas? pelo processo psychologico, iluminando a biografia sobre o fundo também reconstruido e melhor conhecido do meio social ou da sua época.(…). (In id.,ib., p.344). Assim, o ensaio histórico incorpora “dados psicológicos”, factos do universo interior subjectivo traduzidos pelos acontecimentos históricos que os determinaram ou que promoveram. A biografia de Camões, por Teófilo Braga, apresenta a sua vida em 4 momentos: “Nascimento, seus ascendentes e educação litteraria” ! “”A Côrte de D. João III” | “Desasseis annos no Oriente” e “Regresso de Camões a Lisboa e sua morte” encontrando nestas 4 “épocas” da sua vida aspectos fundamentais para a compreensão do homem e da sua obra. No final, justifica-se por aqui o ímpeto que o moveu ao propor as grandes comemorações nacionais do 3º centenário, em 1880, encontrando em Camões o herói laico que pode assumir um ideário nacional simbólico do valor de Portugal.

MFG@BA

Recordamos Hoje: João de Sousa Carvalho

Compositor e músico, nasce em 1745 no Alentejo, Estremoz. Inicia os seus estudos musicais no Seminário dos Santos dos Reis Magos de Vila Viçosa. Frequenta, mais tarde, na qualidade de bolseiro do rei D. José I, o Conservatório di Sant'Onofrio a Capuana onde, entre outros, estudaram Nicolo Jommelli, Nicolo Piccini ou Giovanni Paisello. De volta a Portugal, ca. 1767, ingressa, obrigatoriamente (vid. Alvará de 1760, abaixo), na Irmandade de Santa Cecília (1603-1834) em Lisboa e mais tarde no Real Seminário de Música da Patriarcal (1713-1834), anexo à Capela Real, onde foi professor e mestre de Capela. Torna-se, após a morte de David Perez (1778), mestre de música da família Real. Morre no Alentejo em 1798.

Composições, manuscritas, no acervo da Biblioteca da Ajuda:

L’amore industrioso, 1769: BA. 48-I-13 a 48-I-15 (Executada no Teatro da Ajuda em 31 /03/1769). 

        BA. 48-I-16 a 48-I-26; 54-III-48 a 50; 54-III-51 e 52; 54-III-53 e 54; 54-III-55 (1,2, 3, 4, 5, 6)

L'Eumene , 1773 : BA. 48-I-38 a 48-I-40 (Executada a 6/06/ 1773, anos do Rei)

L’Angelica , 1778: BA. 48-I-34 e 48-I-35

Perseo , 1779: BA. 48-I-46 e 48-I-47

Testoride argonauta , 1780: BA. 48-I-50 e 48-I-52

Seleuco, re di Siria, 1781: BA. 48-I-48 e 48-I-49

Everardo II, re di Lituania , 1782: BA. 47-V-27 (Executada a 5 /07/ 1782)

Penelope, 1782: BA. 48-I-44 e 48-I-45

Matinas do Coração de Jesus, 1783: BA. 48-IV-16

L’Endimione, 1783: BA. 48-I-36 e 48-I-37 (Executada a 25 /07/1783)

Tomiri , amazzone guerriera, 1783: BA. 48-I-28 e 48-I-29 (Executada a 17 /12/1783)

Adrasto, re degli Argivi, 1784: BA. 48-I-8 e 48-I-9 (Executada a 5 /07/ 1784)

Nettuno ed Egle, 1785: BA. 48-I-41 (Executada a 9 /06/ 1785, na Ajuda)

Alcione, 1787: BA. 48-I-6 e 48-I-7

Numa Pompilio II, re dei romani, 1789: BA. 48-I-42 e 48-I-43 (Executada a 24 /06/ 1788)


Documentação na BA relativa a João de Sousa Carvalho:


1793 Jan. 28, Genova

Conta de Gio. Batta. Cervelleza dirigida a João de Sousa Carvalho, em Lisboa, referente a várias encomendas de óperas (“Zenobia di Palmira”, de Giovanni Paisiello; “La disfatta di Dario”, de Giuseppe Danielo; “La secchia rapita” e “Il pastor fido” de Antonio Salieri; “La vendeta di Nino” de Francesco Bianchi; “Il Bizzardo nell’Indie” de Marcello de Capua; óperas de Gaetano Marinelli; “Il Mostro” de Seidelma; “La Briseide” de Ferdinando Robuschi; “Antigona” de Peter von Winter; “Alessandro nell’Indie” de Niccolò Piccini;
“Il Medonte” de Giuseppe Sarti’)

BA - 54-VIII-39, nº 5c-5d (fl. 1)













BA - 54-VIII-39, nº 5c-5d (fl. 1v-2)














BA - 54-VIII-39, nº 5c-5d (fl. 2v)




Róis de Confessados da Paróquia da Ajuda: 1692-1908

Quaresma do Ano de 1784

João de Sousa Carvalho, músico, 
consta  no "Paço Velho", na Calçada da Ajuda.







BA - 51-III-38, fl. 69v-70)




1781 Jul. 27, San Ildefonso
Carta da Infanta D. Maria Josefa [de Bourbon] , irmã de Carlos IV, para a rainha D. Maria I onde, entre outros assuntos, manifesta o gosto pela música de João de Sousa, português, autor da serenata que se cantou no aniversário do rei [D. Pedro III].
BA - 54-V-20, n.º 5c











Mais:

Compromisso da Irmandade da Gloriosa Virgem e Martir Santa Cecilia ordenado pellos Professores da Arte da Musica em o anno de 1749
(BNP) [aqui]

Alvará régio, de 15 de Nov. de 1760, a proibir o exercício da arte da Música em Lisboa aos que não fossem da Irmandade de Santa Cecília (ANTT) [aqui]